CANTO FÚNEBRE
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abril 30, 2022
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14/03/2020
SEXTA-FEIRA DAS DORES
11/04/2020
CANTO FÚNEBRE
Por Jota Dangelo
Em tempos de Covid-19 não me sinto em condições de ficar comentando o que a TV, Rádios e toda a Imprensa anda repetindo. Busquei nos meus alfarrábios uma velha crônica publicada aqui neste canto sobre um dos locais que nunca me saíram da memória, o Clever’s Bar. Republico:
“Ninguém assistiu ao enterro da nossa última quimera”, é o que digo parodiando Augusto dos Anjos. Faleceu repentinamente o Clever´s Bar, na esquina do Kibom, substituído por uma loja de produtos de maquilagem. O mulherio deve estar em comemoração: mais um manancial de cosméticos para deixá-las mais produzidas, mais atraentes e, naturalmente, mais sexy, se possível. Claro, os novos proprietários não têm nenhuma responsabilidade no falecimento do Clever´s. Mercado é mercado, simples assim. Aliás, nem era mais o Clever´s. Tinha outro nome, mas era um bar, e para minha geração, e a que veio logo depois da minha, aquele local sempre seria o Clever´s, o bar da esquina do Kibom, uma referência fundamental de nossas vidas. Sem ele, a esquina que eu chamava “dos aflitos” na década de 60 do século passado, perde o encanto, perde a tradição, perde histórias, perde-se na memória de seus frequentadores, tranquilos observadores das mulheres passantes enquanto perdidos em papos frívolos e comentários do cotidiano, cervejinha à frente, sobre a mesa.
Em fins da década de 50 e início dos anos 60, a Escola de Samba Qualquer Nome Serve, ainda com a formação de um simples bloco carnavalesco, 50, talvez 60 componentes, bateria de 15, 20 ritmistas, não se contentava em desfilar na Rua Municipal e Avenida Tancredo Neves. Isto era muito pouco para nós. Quase no fim da Tancredo Neves, que ainda era a Rui Barbosa, cruzávamos a Ponte da Estação Ferroviária, a Bendito Valadares, e subíamos a Avenida Hermílio Alves até a Prefeitura Municipal, entrávamos na Rua Gabriel Passos e terminávamos nosso desfile na Esquina do Kibom, nas barbas do Clever´s Bar, local do brinde de comemoração pelo desfile realizado…
Aquela região marcou o início da Bandalheira, o Bloco que saía no sábado que antecedia o tríduo Momesco: o Clever´s era o ponto de encontro, e não só no carnaval. Era o local preferido para colocar em dia os boatos, os “causos” da cidade, as fofocas regionais e municipais, os acertos e desacertos políticos, os últimos casos extra-conjugais. O desaparecimento daquele bar de uma das esquinas mais movimentadas da cidade, onde tantas amizades foram seladas, tantas juras de amor repetidas, tantos negócios iniciados e outros concretizados, e outros desfeitos, não passou despercebido para muitos que ali estiveram em boa parte de suas vidas. Muitos de nós, na verdade, como eu mesmo, já não éramos frequentadores do local: partíramos para outros locais, mais afastados, fora do Centro, longe do burburinho natural dos bares localizados em áreas privilegiadas. Mas nunca, nunca mesmo, deixáramos de respeitar o local como aquele que nos acolheu durante toda a juventude e boa parte da vida adulta. Foi-se o Clever´s, como tantas outras coisas boas na cidade. Faz parte da nossa trajetória na existência. Resta lamentar.
Gazeta de São João del-Rei
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