SEXTA-FEIRA DAS DORES
Redação
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abril 30, 2022
CANTO FÚNEBRE
28/03/2020
SEXTA-FEIRA DAS DORES
Por Jota Dangelo
Não há como. A semana passou com uma atmosfera agônica, algo sinistro, o que é
normal na Semana Santa. Mas desta vez foi pior: havia a quarentena, provocada por este
inimigo invisível a olho nu, o Covid-19. Tornou maior o clima de tristeza que se espalha
nesta semana, mesmo para quem não tem fé, mesmo para quem não acredita, mesmo
para os agnósticos. A Semana Santa apresentou-se. O Ofício de Trevas convidou à
meditação domiciliar. Nas igrejas, as alegorias que criavam os cenários dos tempos da
paixão de Cristo nem foram montadas, segundo creio. Busquei nas gavetas os versos
que escrevi para este tempo, a “Sexta-feira das Dores”.
São sete.
Sete luas no minguante,
sete raios de loucura,
sete trovões à distância,
sete andores carcomidos,
sete farpas pontiagudas,
sete vísceras sangrando,
sete tochas reluzindo,
sete espinhos venenosos,
sete chagas, sete horrores:
são sete punhais de prata
ferindo o peito das Dores.
O primeiro, é o meu desprezo
pela dor do desvalido.
O segundo, o meu orgulho,
que me cega aos meus defeitos.
O terceiro, o preconceito
com que trato os mais humildes.
O quarto, a minha soberba
em ver tudo ao meu feitio.
O quinto, esta vaidade
que dissimulo com jeito.
O sexto, a surdez com que me privo
de ouvir qualquer conselho.
O sétimo, mais doloroso,
é exigir das pessoas
que sejam meu próprio espelho.
Perdoa, Senhora, as dores
que, existindo, lhe causo.
Mas como existir perdão
se nem sequer me arrependo?
Se nem estanquei o seu sangue
que ainda corre pelo chão?
Que pode esperar aquele
que lhe cravou sete facas,
se ainda oculta mais sete
no cavo da sua mão?
Gazeta de São João del-Rei
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